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Foto: Divulgação/Internet |
Por Adriano oliveira
Água que vira
pó, secura de lamentar minha falta de escamas. Mês passado ainda bebi do Riacho
Torto, agora o gado escarafuncha no barro atrás de gole d´água, até os cururus
estão sumindo, espero que a chuva volte logo ou vou virar tronco seco de
caatinga.
Coronel Simão já deu a ordem de mudar as famílias pra escola da cidade, pelo
menos lá as crianças não vão morrer de sede, mas eu tenho que ficar e cuidar do
gado, se morrer ao menos um, sei que o couro do bicho vai fazer companhia ao meu
na fábrica de sandálias lá na cidade. Hoje a noite ta mais fresca e posso
sentir o vento úmido que vem do mar, se bem que estamos a mais de cem
quilômetros da praia, mas sertanejo bom aprende a lidar com as coisas do tempo
desde criancinha, meu avô dizia que ia chover com cinco dias de antecedência, e
nunca errou, colocava o feijão na terra e o danado brotava bonito que só.
Céu azul de ofuscar o olhar, só não me ofusca mais que o olhar de Mariazinha,
“eita” olho azul, de fazer cego voltar a enxergar, cada vez que ela passava eu
ficava lá babando tanto que podia encher o açude todo, mas olhar era tudo que
eu podia fazer. Amor de minha vida e de minha morte...
É, foi assim que conheci de perto a secura da terra onde nasci, e donde vim a
morrer.
Mas antes de virar pó eu pude sonhar na imensidão daqueles olhos. Durante anos
eu vivi entre o amarelo do chão e o azul dos olhos dela. Ela nunca me
correspondeu um olhar que fosse, mas eu não ligava, enquanto ela vivesse pra eu
admirar, seria o homem mais feliz da terra.
Outro dia tava levando a boiada lá pras bandas do Rincão quando se deu o
acontecido. Era pra mais de quarenta bois, estava tudo muito calmo naquele dia,
os bois seguiam o guia sem demandas, o silêncio no sertão as vezes é
assustador. Quando passava perto da casa grande vi Mariazinha passeando pelo
jardim da casa, foi nessa hora que tudo se sucedeu... Uma cascavel surgiu no
meio da tropa e o estouro foi inevitável...
Não pensei um segundo que fosse e corri com meu cavalo na direção de minha
amada, cheguei a tempo de apear do xucro, e me colocar entre ela e os bois...
Consegui desviar os danados antes que chegassem até ela, nesse instante olhei
pra trás e vi minha menina com o olhar assustado e pela primeira vez olhando
pra mim. Ela soltou um grito e mal tive tempo de olhar pra trás... O último
desgarrado me atingiu com força...
No chão, olhando pro céu, via aquela imensidão sem fim. Sentia o sangue na
garganta e não conseguia respirar direito, minhas forças me foram tiradas, não
conseguia me mexer. Foi nesse momento que tudo ficou azul de novo. Sobre mim,
Mariazinha me olhava dentro dos olhos. Senti a chuva cair dos seus olhos, não entendia
como podia chover num azul tão profundo... Meus olhos foram se fechando e fui
virando poeira... Em meu rosto o sorriso de quem teve todos os seus desejos
atendidos.
Seus olhos nos meus.
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